Ronaldo Mota
Consultor Educacional
Membro da Academia Brasileira de Educação e Diretor Científico da Digital Pages
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- Ser educador depende dos tempos e dos contextos. Nas sociedades primitivas já havia a figura do educador, ainda que difusa. A geração mais nova aprendia com a geração mais antiga a arte da sobrevivência, bem como as regras de cooperação e do convívio em grupo. Havia rituais de passagem, em alguns casos bem organizados, quando ciclos de aprendizagem se completavam. As tarefas do educador foram, com o tempo, ficando mais bem definidas, à medida que a sociedade se tornava mais complexa. No mundo ocidental, surgiram os sofistas e apareceu a escola, enquanto instituição estabelecida. O amadurecimento do método, em especial do método científico, consolidou as universidades como espaços não só de transmissão do conhecimento, mas também de produção de ciência, que gerou tecnologias e contribuiu com moldar as sociedades modernas. Nos últimos séculos, a receita básica era o domínio de conteúdos, procedimentos e técnicas apuradas, onde a especialização foi o marco do modelo de desenvolvimento baseado na linha de montagem. Tudo alicerçado em carreiras profissionais cada vez mais múltiplas e específicas, acompanhando o grau de complexidade das sociedades mais recentes. Contemporaneamente, a adequação do educador aos tempos e a seus contextos é, de novo, um enorme desafio. Conteúdos, procedimentos e técnicas importam, mas já não são suficientes. Há que se incluir inéditos requisitos, envolvendo a arte de aprender continuamente, ao longo de toda a vida, e um conjunto de aspecto socioemocionais, igualmente importantes. Mas, seja nas sociedades primitivas ou no mundo contemporâneo, sabemos identificar quem é o educador;
- Ser educador não significa necessariamente ser o mais bem informado, aquele que detém o maior conhecimento. Este é o culto, que nem sempre é educador. O educador é aquele que, principalmente, cultiva o saber enquanto processo, no qual conhecer mais emancipa o educando e o prepara à aprendizagem independente. O educador tem consciência plena que seu papel é se tornar, gradativamente, menos necessário. E o educador gosta disso, promove isso, fica feliz e se desapega do educando e aprende a cada vez que educa;
- O educador tem opinião, mas a sua opinião não o caracteriza. Ela pode ser qualquer. O que marca o educador é como ele se comporta sobre todas as opiniões, especialmente sobre aquelas que não são as suas. Educar é entender o outro, incluindo compreender o que o outro acha, por se colocar na posição dele. Mais do que isso, ao entendê-lo, fazer algo sobre isso. Neste sentido, as opiniões em si tornam-se quase que irrelevantes e a essência é a capacidade de entender, racionalmente, e transmitir a beleza de um mundo com opiniões múltiplas e conflitantes. O educador pode ser gentil ou ranzinza, mas jamais indelicado. Pode ser simpático ou antipático, mas jamais grosseiro. Indelicadeza e grosseria não educam, violentam. O educador pacifica, esclarece, opina, respeita e, antes de mais nada, educa;
- O educador pode ter posição política, mas não é ela que define o seu ofício. Ela pode ser qualquer, podendo não ser a mesma sempre. Ele só não pode ser autoritário e inflexível. Porque a ausência do diálogo não é educação, é deseducação. A essência da aprendizagem é a multiplicidade de saberes, a dúvida, a contraposição, o debate, a especulação, a experimentação, os métodos e, especialmente, o respeito às diversas formas de conhecimento e a desejável riqueza de opiniões, quaisquer que elas sejam;
- O educador pode ter fé e pode não ter. Pode ser monoteísta, das mais diversas crenças, pode ser politeísta, pode ser agnóstico ou mesmo ateu. Na verdade, o que é relevante é que o educador entende a fé, ou a ausência dela, como respeitáveis traços culturais, individuais ou coletivos. São respeitáveis escolhas em si e legitimadas a priori. O que não atrai o educador - e o descaracteriza - é o proselitismo, porque deseduca, oprime, se opõe à liberdade de escolha, à abertura dos espíritos e à flexibilidade do pensamento, elementos essenciais e indispensáveis na aprendizagem;
- O educador não é o mais inteligente, mas sim aquele que entende que não existe uma forma única de inteligência. Inteligências são múltiplas. Existe a inteligência que decorre da memória e da capacidade de aprender conteúdos, a qual foi dominante em tempos recentes, mas já passados. Há a inteligência baseada na habilidade lógico-matemática. Há aqueles inteligentes por uma capacidade diferenciada corporal-cinestésica. Podemos falar de inteligência linguística, calcada especialmente na capacidade de entender e de elaborar textos complexos, facilitando a comunicação entre as pessoas. Há a inteligência existencial, resultante de processos intrapessoais de reflexões avançadas. Temos a inteligência via a empatia e a compaixão. Reconhece-se a inteligência musical e tantas outras equivalentes. Existem inteligências mais recentes, tais como a habilidade digital, associada à facilidade de lidar com plataformas e outras ferramentas do mundo cibernético. Há outras inteligências que ainda surgirão. Enfim, o educador é inteligente porque reconhece, estimula e celebra a multiplicidade ilimitada de inteligências;
- O educador, nos dias atuais, progressivamente se aproxima de ser artista, dado que educação, cada vez mais, é arte. Temos menos receitas educacionais, as antigas já não funcionam e os desafios se tornaram mais complexos, demandando um repensar profundo de paradigmas, conceitos e valores. Os conteúdos, procedimentos e técnicas, alicerces da educação do século passado, são consistentes bases, a partir das quais cabe ao educador desenvolver a arte da aprendizagem mediadas por novas tecnologias e metodologias inovadoras. O educador é menos educador quando se apega em demasiado a uma só metodologia e crê, indevidamente, que ela se aplica sempre e a todos, esquecendo que cada educando e cada situação educacional são únicos. Sendo a arte a capacidade de customizar a aprendizagem para cada contexto, voltada a cada indivíduo, explorando a possibilidade de trilhas educacionais flexíveis, ancoradas em diversas metodologias e fazendo uso de múltiplos recursos tecnológicos;
- O educador não é o mercador. Ainda que a profissão do mercador seja legítima, sendo das mais antigas e respeitáveis de nossa civilização, o educador não é o mercador. Não por demérito deste, mas pelo simples fato de que educação não é mercadoria. Quando um mercador vende ou compra algo, alguém fica sem o produto e o outro o tem completamente. Em educação, aquele que entrega não a perde, quem receba ganha e mesmo aquele que não participa de forma direta, curiosamente, ganha também. Educação trata-se, portanto, de ente especial, onde quem não a tem, convivendo com quem a tem, desfruta também. Quando a educação falta a um, não somente ele perde, mas a coletividade à qual ele pertence perde também. É, de fato, um bem comum, com o qual todos ganham, coletiva e cooperativamente. Um ter mais nada tem a ver com o outro ter menos. Tal qual saúde, quanto mais um tem todos também a adquirem. É legal e é legítimo o lucro e a procura por sustentabilidade na educação; não é legal, tampouco é legítimo, a selvageria extremada daqueles que, obsessivos pelo deus Mamon das cifras, não gostam de educação, muito menos de educadores e de educandos. Como já dito por alguém “se aqueles que fazem mal feito em educação soubessem como é bom negócio fazer bem feito, o fariam bem feito, nem que fosse porque é bom negócio”;
- Educadores, de alguma forma, somos todos nós, indivíduos e coletividade, quando nos tornamos, antes de tudo, resilientes. Quando achamos que nada aprendemos ou evoluímos, na verdade, estamos avançando. Ampliando nossa resiliência, a capacidade de resistirmos a tantas intempéries e absurdos, com calma, tolerância e persistência. Fazendo uso da mais eficiente e disponível ferramenta de que dispomos: a educação;
- Educadores são, especialmente, as Acadêmicas e Acadêmicos da Academia Brasileira de Educação, que via tradição, desde o Manifesto dos Pioneiros de 1932, capitaneado por Anísio Teixeira e tantos outros, abriram os caminhos para que hoje pudéssemos continuar o processo de convencimento acerca da importância da educação, enquanto elemento essencial de qualquer desenvolvimento econômico, social e ambiental sustentável. Economicamente, não enfrentaremos nossos desafios sem aumentar a produtividade média da população, envolvendo trabalhadores e empresários. Não há aumento de produtividade sem escolaridade de qualidade. Pode até haver crescimento sem educação, baseado em circunstanciais e passageiras abundâncias de recursos naturais e outros fatores. Porém, a sustentabilidade duradoura é ancorada em educação. É o que já sabia, e assim nos ensinou, Anísio Teixeira, de quem tenho a honra de ocupar a Cadeira que o tem como Patrono, e que já foi ocupada por educadores de saudosas memórias, como o ex-ministro Eduardo Portela. Que sejamos educadores todos e que sejamos educandos para todo sempre.
*Primeira Oração Acadêmica proferida por ocasião da Posse na Academia Brasileira de Educação, em 05/04/2019
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